Só existe em português

25 25America/Sao_Paulo dezembro 25America/Sao_Paulo 2013

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Eu poderia escrever sobre a última viagem que acabei de fazer, a Presidente Prudente, terra da minha vó e familiares paternos, local onde me encontro agora. Poderia falar da minha sobrinha de segundo grau que apenas conheci, só 4 meses de vida, de olhos grandões e arregalados, ou ainda da minha prima de três anos que não se cansa de querer brincar de esconde-esconde, ou do cachorro novo do pedaço, Ibsen, em homenagem a um dramaturgo norueguês, me disse minha tia.

Poderia ainda falar da penúltima viagem que fiz, a Suzano, sábado passado, onde visitei pela segunda vez no ano Tia Madalena, que não é exatamente minha tia, mas da minha vó, isso mesmo, tia da minha vó materna, que tem 86 anos; Tia Madalena tem 93.

Poderia, sei lá, escrever sobre o Natal, sobre músicas natalinas, como fez um amigo que falou sobre como uma música de protesto em inglês chamada Happy Xmas, ao ser traduzida, virou algo insosso, ridículo, mal assimilado, na voz da Simone.

Penso agora que poderia escrever sobre o livro que estou lendo, sempre uma saída na ausência de temas melhores: Vida, de Paulo Leminski, um livrão amarelo, mais ou menos grande, 300 e poucas páginas, e que traz as biografias de quatro personalidades, um deles desconhecia, um tal de Bashô, outro só tinha ouvido falar, Cruz e Souza, e os outros dois, verdadeiros ícones: o primeiro marcou uma era, Jesus, o outro, uma revolução, Trotsky, a quem nutro um fascínio cada vez maior.

Mas não.

Não vou escrever sobre nenhuma dessas coisas.

Vou reservar as últimas linhas deste parco texto para escrever sobre algo que entra ano, sai ano, não deixa de inspirar aqueles que se põem a escrever – na verdade trata-se de um sentimento: a saudade.

Uma saudade de contornos curvilíneos, cabelos longos, tez alva, sorriso evidente.

Uma saudade de algo que fluía e que subitamente foi interrompido em um abraço de rodoviária.

Uma saudade de algo que no passado já foi e veio, e que vinha, e que poderia se tornar algo ainda maior, mas que para isso precisava ser descoberto, desbravado, como uma América diante de espanhóis e portugueses de 1500.

Uma saudade que graceja e tripudia, que surge inesperada, no ponto de ônibus; na linha de metrô; na mesa do restaurante; pacificamente, sem violência; mas também sem ser menos saudade.

Pois tantas são as saudades que me habitam.

Mas é a esta saudade, de sorriso evidente, por quem hoje escrevo.

Para quem hoje escrevo.