Da minha aversão à Literatura

16 16America/Sao_Paulo fevereiro 16America/Sao_Paulo 2014

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Já faz mais de 10 anos que deixei o colegial. Era uma época em que eu queria tudo, menos estudar.

A escola servia mais como um local de integração do que de fonte de conhecimento para provas de vestibular. Prestar atenção em aulas e copiar a lousa no caderno eram um porre – principalmente depois de se ter acordado extremamente cedo, contrariando todas as vontades fisiológicas de um organismo adolescente.

Houve época em que eu sequer levava material às aulas. Apenas ficava lá, prostrado na cadeira, muitas vezes a dormir, outras a cochichar com amigos, isto quando o professor permitia.

A culpa evidentemente não era minha; a culpa era e é do sistema escolar, desenhado sob um paradigma industrial que tolhe toda uma vasta gama de potenciais.

Peguemos a aula de Literatura, provavelmente a disciplina que mais me suscitava tédio e repulsa ao lado de Química.

Odiava Literatura, achava um porre, chato demais.  Jamais li um livro inteiro durante os três anos do colegial. Todas as provas que prestei eram precedidas por leituras de resumos descobertos na internet, muitas vezes lidos minutos antes de prestá-las. É claro que nesse período me ver aprovado em Literatura era tarefa dantesca.

Escolhi destacar esse caso porque é incrível como minha relação com a matéria mudou diametralmente 10 anos depois. Ontem mesmo terminei Memórias Póstumas de Brás Cubas, uma obra-prima deste que, de longe, é o melhor escritor brasileiro: Joaquim Maria Machado de Assis.

Como qualquer lâmina de apontador sabe, Memórias Póstumas é um dos livros básicos de boa parte dos vestibulares do Brasil afora. Fato que faz com que a obra conste como obrigatória nos currículos do ensino médio.

Pois nada é mais equivocado.

Memórias Póstumas é uma obra-prima, claro que o é, mas de um nível de erudição totalmente incompatível com a subjetividade de 99% dos estudantes de colegial do país, ouso dizer. Ao ser obrigatória, a experiência da leitura se torna algo penosa, enfadonha, quase que uma via-crúcis. O resultado disto, ao invés da criação de um hábito salutar, é a completa aversão à Literatura.

Pois era essa mesma aversão que senti por muito tempo até entrar na faculdade de jornalismo (sendo que odiava ler, rs). Foi quando a obrigação cultural do curso me forçou a explorar o mundo literário, no qual hoje só sinto prazer.

No colegial nossos interesses são bastante específicos. Gostamos de coisas tidas como superficiais, da moda, que nos diferenciem enquanto indivíduos (ou que ao menos nos façam sentir assim) e que tenham uma conotação mais ligada à integração, à “galera”, e menos à solidão (literatura é uma atividade extremamente solitária, é bom lembrar).

Não quero dizer, no entanto, que a escola não deva tentar instigar o gosto por Literatura, muito pelo contrário. Mas as obras sugeridas, claramente, devem ser outras, umas mais conectadas à realidade dos adolescentes, para assim serem encaradas como interessantes – coisa que a descrição rebuscada de uma história que se passa no Rio de Janeiro do século XIX definitivamente não é.

De outra forma, a escola continuará firme e forte a cultivar aversões à Literatura entre jovens e adolescentes mundo afora, assim como a que eu já tive. Ainda bem que sarei.